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A violência obstétrica é uma realidade no dia a dia do Brasil. É muito mais recorrente do que se pensa e vai muito além de procedimentos cirúrgicos mal executados. 

“Eu tenho 37 anos e uma filha de cinco. Há seis anos, fiquei sabendo que as mulheres sofriam violência durante o nascimento dos filhos. Numa hora de extrema vulnerabilidade, em que você é despersonificada, transformada em uma paciente mesmo que não esteja doente; e, sobre seu corpo, são feitas inúmeras coisas sem te consultar. São oito, 12, 16 alunos fazendo exame de toque em você, pessoas que você nunca viu. Você fica exposta, nua, na frente das pessoas que estão passando. (...) Eu passei seis anos, em todas as madrugadas, lendo relatos de violência contra a mulher enquanto seus bebês nasciam. Isso me transformou pra sempre. Eu nunca mais vou ser a mesma, não quero ser a mesma, e quero que as mulheres se transformem e deixem de ser as mesmas também. É uma luta constante para que as mulheres se fortaleçam pela maternidade, para que não sejam vulnerabilizadas”.

  

  Isso foi o que Lígia Moreiras Sena - mãe, bióloga, feminista, mestre e doutora em Ciências - descobriu quando resolveu deixar para trás tudo o que já tinha conquistado em sua vida acadêmica para começar o doutorado sobre saúde coletiva e violência obstétrica. Durante o período em que escreveu sua tese, teve que lutar contra a depressão por causa dos relatos de mulheres que sofreram todo tipo de abuso no momento do parto. E, mesmo afetada pelas histórias, não se sentia no direito de absorver essa dor. Era como "se estivesse roubando o status da moça que sofreu".

    Por mais silenciados que sejam, os casos de violência obstétrica no Brasil não são isolados: uma a cada quatro mulheres já sofreu algum tipo de agressão durante a gestação, em consultas pré-natais ou no parto, segundo pesquisa sobre mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado, realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo e pelo SESC. Além disso, 53% das gestantes que declararam ter provocado aborto e procuraram assistência tiveram algum tipo de violência no atendimento: questionamentos insistentes para descobrir se haviam tirado o bebê; falta de informações sobre os procedimentos realizados; acusações de crime, ameaças de serem entregues à polícia; horas de espera pela internação; exposição dos restos fetais e culpabilização.

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